Sobrevida

Cristina Lacerda

A terra não sorri
mas ampara meus passos

de hoje sofrer
me lembro do que é cíclico

os dias de chumbo
a lama do fundo
lamber a lembrança
de pequenos relâmpagos

sofrer sofreguidão
- só isso?

reinventar o mesmo
em tudo o que se ama

lembrar feridas
e perfumes dos momentos

essa minha curta longa vida
involuntária

é assim aos tropeços

e se há esquinas onde
às vezes me firo tanto

é porque é preciso
e se tateia na dor
o despertar da ânsia viva
vislumbre de algum
futuro encanto

o resto é concreto muro
cinza, rachado e duro

que o sonho

não está onde é sonhado
mas onde é pensado
com insistência e arte

esse o rito

içar a dor sombria
e se fazer ao mar

como alguém que ao ficar
finge que parte


Pele da Palma, Editora Siciliano, 1993 - S. Paulo, Brasil