Moças das docas

Noémia de Sousa

Somos fugitivas de todos os bairros de zinco e caniço.
Fugitivas das Munhuanas e dos Xipamanines,
viemos do outro lado da cidade 
com nossos olhos espantados, 
nossas almas trançadas,
nossos corpos submissos e escancarados.  

De mãos ávidas e vazias,
de ancas bamboleantes lâmpadas vermelhas se acendendo, 
de corações amarrados de repulsa,
descemos atraídas pelas luzes da cidade, 
acenando convites aliciantes 
como sinais luminosos na noite.

Viemos ...
Fugitivas dos telhados de zinco pingando cacimba, 
do sem sabor do caril de amendoim quotidiano, 
do doer espáduas todo o dia vergadas 
sobre sedas que outras exibirão, 
dos vestidos desbotados de chita, 
da certeza terrível do dia de amanhã 
retrato fiel do que passou, 
sem uma pincelada verde forte 
falando de esperança.
(Excerto)


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