A gata
Eugénia Tabosa
(A meu filho Carlos)
 
A gata branca tinha um olho verde e outro azul 
mas para mim ela era como uma aranha. 
Que pena eu tinha de a não amar, 
que pena eu tinha do seu ronronar em mim não ter eco. 
E sempre que a gata vinha eu ia 
e ela ficava mais triste mais só. 
Sim, ela tivera casa, almofada e mesmo um nome 
depois nasceu um menino e ela foi para o quintal. 
Como ela soube então que as noites eram azuis, 
o luar, o cheiro da terra molhada e tudo o mais. 
Mas um dia a casa ficou vazia. 
Aqueles de quem ela tinha sido e seus se diziam 
fizeram malas e levaram tudo o que havia, 
foram-se deixando a porta fechada. 
Só ela ficou, toda branca um olho verde outro azul. 
Passaram noites, dias longos e silêncios. 
Depois cheguei eu, as flores e os risos, 
a casa enchera-se outra vez, mas ela não entrou. 
Rondava, olhando-me como intrusa. 
Passou o verão, houve noites de chuvas 
Noites azuis e de estrelas que nevavam. 
E numa delas chegou um menino, o meu menino. 
Então amei-o, amei-o daquele amor à vida 
transbordante e doce, até às coisas pequenas. 
E quando um dia a gata se foi deitar 
em meu casaco numa cadeira esquecido, 
olhei-a e não a pude enxotar. 
 
 
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