O vestido

Adélia Prado

No armário do meu quarto escondo de tempo e traça meu vestido estampado em fundo preto. 
É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas à ponta de longas hastes delicadas. 
Eu o quis com paixão e o vesti como um rito, meu vestido de amante. 
Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido. 
É só tocá-lo, volatiza-se a memória guardada: 
eu estou no cinema e deixo que segurem minha mão. 
De tempo e traça meu vestido me guarda.

A quem recentemente descobri, através da sensibilidade da Flávia, e com quem fortemente me identifiquei.


Poesia reunida, Editora Siciliano, 1991 - S.Paulo, Brasil